Baco

BACO

Baco era filho de Júpiter e Semeie. Querendo vingar-se de Semeie, Juno assumiu a forma da velha ama daquela, Béroe, e insinuou-lhe dúvidas no espírito, quanto ao fato de ser o próprio Jove o seu amante. Dando um suspiro, disse:
— Espero que seja mesmo, mas não posso deixar de duvidar. Nem sempre as pessoas são quem dizem ser. Se ele é, na verdade, Jove (Jupiter), faze-o dar uma prova disso. Pede-lhe para vir vestido com todo o seu esplendor, tal como anda no céu. Assim, acabará qualquer dúvida.
Semeie deixou-se persuadir. Pediu um favor a Jove, sem dizer qual era e o deus prometeu satisfazê-lo, jurando pelo Rio Estige, juramento que os próprios deuses jamais se atreveriam a violar. Semeie fez, então, o pedido. O deus queria impedi-la de terminar, mas ela falava muito depressa. As palavras saíram e Júpiter não poderia deixar de cumprir a promessa. 

Profundamente abatido, deixou Semeie e voltou às regiões celestiais. Ali envergou as vestes esplendorosas, não aquelas que ostentavam todos os horrores como as que usara para enfrentar os gigantes, mas as que são conhecidas entre os deuses por vestes menores. Assim vestido, entrou nos aposentos de Semeie. O corpo mortal da jovem não pôde enfrentar os esplendores da radiação imortal. Ela transformou-se em cinzas. Jove entregou Baco às ninfas niseanas, que dele cuidaram durante a infância e foram recompensadas pelo deus, que as colocou entre as estrelas como as Híades. 

Quando se tornou homem, Baco descobriu a cultura da vinha e o meio de extrair da fruta o precioso suco; Juno, porém, tornou-o louco e fez com que ele vagasse por várias partes da Terra. Na Frígia, a deusa Réia curou-o e instruiu-o em seus ritos religiosos, e ele atravessou a Ásia, ensinando os povos a cultivar a vinha. O episódio mais famoso de suas viagens foi a expedição à índia, onde ficou durante vários anos. Voltando triunfalmente, tratou de introduzir seu próprio culto na Grécia, mas contou com a oposição de alguns príncipes, receosos da desordem e loucura que o mesmo provocava. Ao aproximar-se de sua terra natal, Tebas, o Rei Penteu, que não respeitava o novo culto, proibiu a execução de seus rituais. Quando se soube, porém, que Baco se aproximava, homens e mulheres, principalmente as últimas, velhos e jovens, correram a recebê-lo e participar da marcha triunfal. Em sua "Canção de Brinde", Longfellow assim descreve a marcha de Baco:

Dos faunos o cortejo alegre e rude
Rodeia Baco, cuja fronte a hera Cinge, 
Como a Apolo, e a quem espera,
Como a Apolo, a eterna juventude.
Em torno ao jovem deus, lindas bacantes,
Címbalos, tirsos, plantas carregando,
Da embriaguez se mostram presa, quando
Bem alto entoam versos delirantes.

Foi em vão que Penteu censurou, ordenou e ameaçou. — Ide procurar o chefe dessa desordem, esse vagabundo, e trazei-o até aqui — ordenou ele a seus servos. — Não hei de tardar a fazê-lo confessar a falsidade de sua pretensão de ter origem divina e a obrigá-lo a renunciar a seu falso culto. Foi em vão que seus amigos mais íntimos e conselheiros mais sensatos procuraram impedi-lo de contrariar o deus. Suas censuras apenas serviram para torná-lo mais violento. Já haviam voltado, porém, os servos que mandara aprisionar Baco. Haviam sido rechaçados por seus companheiros, mas conseguido fazer prisioneiro um deles, que, com as mãos amarradas atrás das costas, foi apresentado ao rei.
— Serás morto sem demora, para que teu destino sina de advertência aos outros!
— exclamou Penteu, encarando-o furioso.
— Embora me re-pugne adiar tua morte, porém, fala, dize-nos quem és e em que consistem esses novos ritos que pretendeis celebrar.
— Chamo-me Acetes e sou natural de Meônia
— replicou o prisioneiro, sem se atemorizar.
— Meus pais eram pobres, que não tinham terras ou rebanhos para deixar-me como herança, mas deixaram seus caniços e redes e sua profissão de pescador.

Trabalhei nela durante algum tempo, até que, enfadado de viver no mesmo lugar, aprendi a arte da pilotagem e como guiar o curso pelas estrelas. Aconteceu que, velejando para Delos, tocamos na Ilha de Dia, e lá desembarcamos. Na manhã seguinte, mandei os marinheiros buscarem água de novo, enquanto eu subia ao morro, a fim de observar o vento. Ao regressarem, os marinheiros trouxeram um menino de aparência delicada, que haviam encontrado adormecido. Julgaram-no um jovem nobre, talvez filho de um rei, e imaginaram que poderiam obter, por seu resgate, uma quantia apreciável. Observei suas vestes, seu rosto, seu modo de andar e percebi que havia neles algo superior aos mortais. "Não sei que deus está escondido sob estas formas, mas sem dúvida é um deus"
— disse eu a meus homens. "Perdoa-nos, gentil divindade, a violência que lhe
fizemos, e faze com que nossa empresa tenha êxito." Dito, um dos meus melhores marinheiros para subir aos mastros e descer pelas cordas; Melanto, meu timoneiro, e Epopeu, o chefe da tripulação, exclamaram ao mesmo tempo: "Guarda para nós tuas preces!" Tão cega é a sede de lucro! Quando quiseram levar o rapazinho para bordo, eu me opus. "Este navio não será profanado por tal impiedade", disse eu. "Tenho nele maior parte que qualquer de vós." Mas Lícabas, um indivíduo turbulento, agarrou-me pelo pescoço, tentando atirar-me fora do barco e mal consegui salvar-me subindo pelos cabos. O resto da tripulação aprovou a resolução. Então, Baco (pois era realmente ele), como que pondo de lado o torpor, exclamou: "O que estais fazendo comigo? Que quer dizer esta luta? Para onde me levais?". Um dos homens respondeu: "Não receies coisa alguma; dize-nos onde queres ir e nós te conduziremos para lá." "Naxos é minha terra natal
— respondeu Baco.
— Levai-me para lá, e sereis bem recompensados."
Os homens prometeram fazer isso e disseram-me para levar o barco rumo a Naxos. Naxos fica à direita e eu estava manobrando velas para tomarmos aquela direção, quando alguns dos homens por sinais e outros por palavras sussurradas deram-me a entender que eu deveria tomar a direção oposta e levar o menino para o Egito, a fim de vendê-lo como escravo. Irritado, exclamei: "Que o outro conduza o navio." E afastei-me, para não tomar parte naquele ato de baixeza. Os marinheiros insultaram-me, e um deles exclamou: "Não te vanglories, pois dependes de nós para tua segurança." E, tomando o lugar de piloto, afastou-se de Naxos. Então o deus, fingindo que acabara de tomar conhecimento da traição, olhou o mar e disse, com voz de choro:
— Marinheiros, estas praias não são aquelas aonde prometestes levar-me; aquela ilha não é a minha pátria. Que fiz eu para merecer de vossa parte tal tratamento? Será uma glória mesquinha essa que conquistareis, iludindo um pobre menino.
Chorei ao ouvi-lo, mas os marinheiros riram-se de nós ambos e impeliram o navio sobre o mar. De repente (por mais estranho que possa parecer, é verdade), a nau parou no meio do mar como se tivesse ficado presa ao solo. Atônitos, os homens impeliram seus remos e soltaram mais as velas, tentando avançar com a ajuda de ambos, mas tudo em vão. Uma hera enroscou-se nos remos, impedindo seu movimento, e agarrou-se às velas, com pesados cachos de suas frutas. Uma vinha, carregada de uvas, subiu pelo mastro e ao longo do casco do navio. Ouviu-se um som de flautas e o cheiro agradável de vinho espalhou-se em torno. O próprio deus trazia à cabeça uma coroa de folhas de parra e empunhava uma lança enfeitada de hera. Tigres deitavam-se aos seus pés e as formas ágeis de linces e panteras brincavam em torno dele. Os homens foram tomados de terror ou loucura; alguns se atiraram para fora do barco; outros, ao se prepararem para fazer o mesmo, viram os companheiros transformarem-se ao atingir a água: seus corpos achatavam-se e terminavam numa cauda retorcida.
— Que milagre é este?
— exclamou um deles.


E, enquanto falava, sua boca alargaram-se, as narinas dilataram-se e escamas cobriram-lhe todo o corpo. Outro, tentando empurrar o remo, sentiu as mãos encolherem e tornarem-se, de súbito, nadadeiras. Um terceiro, ao erguer os braços para agarrar uma corda, percebeu que já não tinha braços e, recurvando o corpo mutilado, atirou-se ao mar. O que fora suas pernas transformou-se nas duas extremidades de uma cauda em forma de crescente.


“Toda tripulação metamorfoseou-se em golfinhos e ficou nadando ao redor do navio, ora à superfície, ora embaixo dele, atirando jatos de água através das grandes narinas”. Dos vinte homens, apenas eu restava, trêmulo de medo. O deus animou-me:
— Nada receies
— disse. Navega em direção a Naxos.
Obedeci e, quando ali cheguei, dirigi-me aos altares e celebrei os sagrados ritos de Baco."
— Já perdemos bastante tempo com esta história tola!
— exclamou Penteu, interrompendo a narrativa.
— Levai-o e executai-o, sem demora.
Acetes foi levado pelos servos e encerrado na prisão. Quando, porém, eram preparados os instrumentos da execução, as portas da prisão abriram-se sozinhas, caíram as cadeias que prendiam os membros de Acetes e, quando o procuraram, ele não mais foi encontrado em parte alguma. Penteu não se deu por vencido, mas, em vez de mandar outros, resolveu ir em pessoa à cena das solenidades. O Monte Citéron estava repleto de adoradores do deus e os gritos da bacanal ressoavam por todos os lados. O ruído provocou a ira de Penteu como o som de uma trombeta torna fogoso um cavalo de guerra, um corcel de combate. Penetrando no bosque, o rei chegou a uma clareira, onde viu diante dos olhos a cena principal das orgias. As mulheres viram-no ao mesmo tempo, e destacava-se entre elas sua própria mãe, Agave, cegada pelo deus e que gritou:
— Ali está o javali, o maior monstro que anda por estes bosques! Vamos, irmãs! Serei a primeira a ferir o javali. O bando inteiro avançou contra Penteu e ele, mostrando-se menos arrogante, ora se desculpa, ora confessa o crime e implora perdão, é acossado e ferido. Em vão implora aos gritos às tias que o protejam contra sua mãe. Autônoe agarra-o por um braço, Ino pelo outro e, entre as duas, ele é despedaçado enquanto a mãe gritava:
— Vitória! Vencemos, a glória é nossa! Assim foi estabelecido, na Grécia, o culto de Baco. Há uma alusão ao episódio de Baco e dos marinheiros no poema "Comus" de Milton. A história de Circe será encontrada no Capítulo XXIX.
Baco, o primeiro das rubras bagas
Soube extrair o sedutor veneno,
Pelos nautas toscanos conduzido,
De Circe à ilha foi levado

(Circe Filha do sul, quem há que não conheça? 
Circe que transformava os que bebiam 
Por sua taça em porcos repelentes). 




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