ÁRION
Árion
foi um famoso músico, que morava na corte de Periandro, Rei de Corinto, de quem
era favorito. Havia uma competição musical na Sicília e Árion desejava
ardentemente disputar o prêmio. Contou seu desejo a Periandro, que lhe implorou
como a um irmão que desistisse da idéia. Fica comigo, peço-te e sê feliz disse
o rei. Quem deseja vencer pode perder. Uma vida errante convém melhor ao
coração livre de um poeta respondeu Árion. O talento que um deus me concedeu
deve servir de fonte de prazer aos outros. E se eu conquistar o prêmio, quanto
será aumentado o prazer que ele me der pela consciência de minha fama! Árion
partiu, conquistou o prêmio e embarcou de volta, com seu tesouro, num navio
coríntio. Na manhã do segundo dia, depois de terem zarpado, o vento soprava
suave e favorável. O Periandro, põe de lado teus temores! Exclamou Árion. Em
breve há de esquecê-los, quando eu te abraçar. Com que prodigalidade
mostraremos nossa gratidão aos deuses e quanto será alegre o banquete festivo!
O vento e o mar continuaram propícios. Nem uma nuvem cobria o armamento. Não
fora demais confiar no oceano mas deveria Árion ter desconfiado dos homens.
Ouviu os marinheiros conversarem em voz baixa uns com os outros e descobriu que
estavam planejando apoderar-se de seu tesouro.
Não tardaram a cercá-lo, aos
gritos e ameaças, e disseram: Árion, deves morrer! Se queres um túmulo em
terra, resigna-te a morrer onde estamos. Do contrário, lança-te ao mar. Nada
vos satisfará a não ser minha vida? Disse Árion. Tomai meu ouro e de boa
vontade comprarei minha vida a tal preço. Não, não! Não podemos poupar-te, tua
vida seria muito perigosa para nós. Onde poderíamos livrarmo-nos de Periandro
se ele soubesse que te havíamos roubado? Teu ouro nos seria de pouca valia se,
voltando para nossa terra, jamais pudéssemos nos ver livres do temor.
Concedei-me, então retrucou Árion, o último pedido. Uma vez que nada salvará
minha vida, que eu possa morrer como tenho vivido, como um bardo. Quando eu
tenha entoado meu canto de morte e as cordas de minha harpa tenham cessado de
vibrar, então me despedirei da vida e me curvarei, sem queixar, ao meu destino.
Este pedido, como os outros, não seria atendido os marinheiros pensavam apenas
nos despojos se não fosse o desejo de ouvir um músico tão famoso, que comovia
seus rudes corações. Permiti-me acrescentou Árion que componha minhas vestes.
Apolo não me favorecerá se eu não estiver devidamente envolto em minhas vestes
de menestrel.
Cobriu
o bem proporcionado corpo de ouro e púrpura agradáveis à vista, a túnica caía
em torno dele com dobras graciosas, pedras preciosas adornavam-lhe os braços,
na testa tinha uma coroa de ouro e sobre o pescoço e os ombros flutuavam seus
cabelos perfumados de essência. Na mão esquerda tinha a lira e na direita a
varinha de marfim com que feria suas cordas. Inspirado, pareceu beber o ar da
manhã e brilhar aos raios do sol matutino. Os marinheiros fitaram-no com
admiração. Árion avançou até o convés do barco e olhou para as profundidades do
mar azul. Dirigindo-se à sua lira, cantou: "Companheira de minha voz, vem
comigo ao reino das sombras. Por mais que Cérbero rosne, conhecemos o poder do
canto capaz de aplacar-lhe a ira. Vós, heróis do Elísio que atravessastes as
águas sombrias, vós, almas venturosas, em breve irei juntar-me ao vosso grupo.
Podeis, contudo, aliviar minha dor? Ah! Deixo atrás de mim meu amigo. Tu, que
encontraste tua Eurídice e a perdeste de novo tão cedo a encontraste; quando
ela se desvaneceu como um sonho, quanto odiaste a alegria da luz! Devo partir,
mas partirei sem medo. Os deuses olham para nós. Vós que me matais sem motivo,
quando eu aqui já não estiver, chegará vosso tempo de ter medo. Vós, Nereidas,
recebei vosso hóspede, que se entrega à vossa mercê!"
Assim dizendo, atirou-se
às profundidades do mar. As ondas cobriram-no, e os marinheiros prosseguiram
viagem, acreditando-se livres do perigo de serem descobertos. Os acordes da
música de Árion, porém, tinham atraído os habitantes das profundezas marinhas,
e os golfinhos acompanhavam o navio como se aprisionados pelo encantamento.
Enquanto o bardo lutava contra as ondas, um golfinho ofereceu-lhe montaria e
transportou-o são e salvo para a costa. No lugar em que ele chegou à terra foi
erguido, mais tarde, um monumento de bronze sobre o rochedo, para relembrar o
fato. Quando Árion e o golfinho se separaram, cada um se dirigindo para o seu
próprio elemento, o bardo assim manifestou sua gratidão: Adeus, peixe fiel e
amigo! Quisera recompensar-te, mas não podes seguir comigo, nem eu contigo. Não
podemos ser companheiros. Possa Galatéia, rainha das profundidades marinhas,
conceder-te seus favores, e tu, orgulhoso do encargo, arrastar sua carruagem
sobre o liso espelho do oceano. Afastando-se do litoral, Árion em breve viu
diante de si as torres de Corinto. Caminhava empunhando a harpa, cantando
enquanto marchava, cheio de amor e felicidade, esquecido dos prejuízos e atento
apenas ao que lhe restava: seu amigo e sua lira.
Entrou no hospitaleiro palácio
e Periandro o recebeu entre os braços. Volto para junto de ti, meu amigo disse
ele. O talento que um deus me concedeu tem constituído o deleite de milhares de
pessoas, porém malfeitores traiçoeiros privaram-me do meu bem-merecido tesouro.
Conservo, contudo, a consciência de minha fama. Contou, então, a Periandro
todos os fatos maravilhosos que lhe haviam acontecido e que foram ouvidos com
assombro. Será possível que tal perversidade triunfe? Exclamou o rei. Seria
inútil, então, o poder que tenho nas mãos. Para que possamos desmascarar os
criminosos, deves ficar aqui escondido, de modo que eles aqui se apresentem sem
desconfiança. Quando o navio chegou ao porto, Periandro convocou os
marinheiros. Não tivestes notícia de Árion? Perguntou. Espero ansiosamente o
seu regresso.
Deixamo-lo bem e próspero, em Tarento responderam. Enquanto
diziam estas palavras, Árion apareceu e encarou-os. Seu bem-proporcionado corpo
estava coberto de ouro e púrpura agradáveis à vista, a túnica caía em torno
dele com dobras graciosas, pedras preciosas adornavam-lhe os braços, na testa
tinha uma coroa de ouro e sobre o pescoço e os ombros flutuavam os cabelos
perfumados de essência. Na mão esquerda tinha a lira e na direita, a varinha de
marfim com que feria as cordas. Os marinheiros caíram prostrados aos seus pés
como se um raio os houvesse fulminado. Quisemos assassiná-lo e ele
transformou-se em um deus! Oh terra abre para receber-nos! Periandro falou,
então: Ele vive, o mestre do canto! O céu misericordioso protege a vida do
poeta. Quanto a vós, não invoco o espírito da vingança; Árion não deseja vosso
sangue. Vós, escravos da cobiça, saí! Procurai alguma terra bárbara e jamais a
beleza deleite vossas almas!
Acordes celestiais então se ouvem
E, flutuando nas ondas, mansamente,
Com o som de sua harpa Árion cativa
O ouvido e o coração de toda a
gente.
Até mesmo o golfinho em cujo dorso
Ele chegou, depois da travessia
Do mar Egeu, fica imóvel, quedo,
Ouvindo a harpa, e o próprio mar a
ouvindo
Seu rugido cessou, paralisado.
Byron, no Canto II do "Childe Harold", faz alusão à
história de Árion, quando, descrevendo sua viagem, se refere a um dos
marinheiros que tocava um instrumento musical, para divertir os demais.
Brilha a lua no céu.
Que noite linda!
A luz prateia as ondas incansáveis.
Os amantes suspiram e as virgens
crêem.
Tal nosso fado quando o mar
deixamos!
Entrementes, as cordas do
instrumento
Tange a mão de algum novo e rude
Árion
E a marinhagem escuta, embevecida.
Texto retirado do livro de ouro da
mitologia
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