O VELOCINO DE OURO — MEDÉIA O VELOCINO DE OURO
Há muitos e muitos anos,
viviam na Tessália, um rei e uma rainha, chamados Atamas e Nefele, que tinham
dois filhos, um menino e uma menina. Depois de um certo tempo, Atamas enfarou
da esposa, expulsou-a e casou-se com outra mulher. Nefele, receosa de que os
filhos corressem perigo, em vista da influência da madrasta, tratou de
livrá-los desse perigo. Mercúrio ajudou-a e deu-lhe um carneiro com velocino de
ouro, no qual Nefele colocou as duas crianças, certa de que o carneiro as
levaria a um lugar seguro. O carneiro elevouse no ar com as duas crianças nas
costas, tomando o rumo do nascente, até que, ao passar sobre o estreito que
separa a Europa da Ásia, a menina, cujo nome era Heles, caiu no mar, que passou
a ser chamado Helesponto, hoje Dardanelos. O carneiro continuou a viagem, até
chegar ao reino da Cólquida, na costa oriental do Mar Negro, onde depositou são
e salvo o menino, Frixo, que foi hospitaleiramente recebido pelo rei do país,
Etes. Frixo sacrificou o carneiro a Júpiter e ofereceu a Etes o Velocino de
Ouro, que foi posto numa gruta sagrada, sob a guarda de um dragão que não
dormia. Havia na Tessália outro reino, perto do de Atamas, e governado por um
parente seu.
Cansado com os cuidados do governo, o Rei Esão passou a coroa a
seu irmão Pélias, com a condição de que este a mantivesse apenas durante a
menoridade de seu filho Jasão. Quando, chegando à idade conveniente, Jasão foi
reclamar a coroa a seu tio, este fingiu-se disposto a entregá-la, mas, ao mesmo
tempo, sugeriu ao jovem a gloriosa aventura de ir em busca do Velocino de Ouro,
que se sabia estar no reino da Cólquida e que, segundo afirmava Pélias, era a
legítima propriedade da família. Jasão acolheu a idéia e tratou logo de fazer
os preparativos para a expedição. Naquele tempo, a única navegação conhecida
pelos gregos era feita em pequenos botes ou canoas, feitos de troncos de
árvores, de modo que, quando Jasão incumbiu Argos de construir uma embarcação
capaz de transportar cinqüenta homens, o empreendimento foi considerado como
gigantesco. Foi realizado, contudo, e o barco tomou o nome de "Argo",
em homenagem ao seu construtor.
Jasão convidou a participarem da empresa todos
os jovens gregos amantes de aventuras, muitos dos quais tornaram-se depois
conhecidos entre os heróis e semideuses da Grécia. Entre eles, encontravam-se
Hércules, Teseu, Orfeu e Nestor. Os expedicionários foram chamados argonautas,
do nome do barco. O "Argo", com sua tripulação de heróis, deixou à
costa da Tessália e, depois de tocar na Ilha de Lemos, fez a travessia para a
Mísia e dali passou à Trácia, onde os argonautas encontraram o sábio Frineu e
dele receberam instruções sobre o futuro curso. A entrada do Ponto Euxino
estava impedida por duas pequenas ilhas rochosas, que flutuavam na superfície
do mar e, sacudidas pelas vagas, ajuntavam-se, às vezes, esmagando
completamente qualquer objeto que estivesse entre elas. Eram chamadas as
Simplegades, ou Ilhas da Colisão. Frineu instruiu os argonautas sobre o modo de
atravessar aquele estreito perigoso. Quando os expedicionários chegaram às
ilhas, soltaram uma pomba, que passou entre os rochedos sã e salva, perdendo só
algumas penas da cauda. Jasão e seus companheiros aproveitaram-se do momento
favorável em que as ilhas se afastavam uma da outra, remaram com vigor e
passaram a salvo, enquanto as ilhas se colidiam de novo, atingindo a popa do
barco.
Remaram, então, ao longo do litoral, até chegarem à extremidade oriental
do mar, onde desembarcaram no reino da Cólquida. Jasão transmitiu sua mensagem
ao rei Etes, que concordou em desistir do Velocino de Ouro, se Jasão, por sua
vez, concordasse em arar a terra com dois touros de patas de bronze que
soltavam fogo pela boca e pelas narinas, e semeasse os dentes do dragão que
Cadmo matara e dos quais sairia, segundo se sabia, uma safra de guerreiros, que
voltariam suas armas contra o semeador. Jasão aceitou as condições e foi
marcada a ocasião das provas. Antes, porém, ele conseguiu pleitear sua causa
junto de Medéia, filha do rei, a quem prometeu casamento, invocando, por
juramento, o testemunho de Hécate, quando se encontravam diante de seu altar.
Medéia cedeu e, graças à sua ajuda, pois ela era uma poderosa feiticeira, Jasão
conseguiu um encantamento, para se livrar da respiração de fogo dos touros e
das armas dos guerreiros.
Na ocasião marcada, o povo reuniu-se no Campo de
Marte e o rei sentou-se no trono, enquanto a multidão ocupava as elevações
próximas. Os touros de patas de bronze surgiram, respirando fogo e queimando as
ervas, enquanto passavam com as chamas que lhe saíam das narinas. O ruído que
faziam era semelhante ao de uma fornalha e a fumaça que desprendiam à provocada
pela água lançada sobre a cal viva. Jasão avançou ousadamente, para
enfrentá-los. Seus amigos, os heróis escolhidos da Grécia, tremeram ao
contemplá-lo. Não obstante a respiração de fogo dos touros, ele lhes acalmou
com a voz, afagou-os no pescoço e destramente colocou-lhes o jugo e obrigou-os
a arar a terra. Os habitantes da Cólquida ficaram assombrados; os gregos
lançaram gritos de alegria. Logo surgiu a sementeira de homens armados e —
maravilha das maravilhas! — mal tinham atingido a superfície da terra, esses
homens, brandindo suas armas, investiram contra Jasão.
Os gregos tremeram de
medo por seu herói, e mesmo aquela que lhe fornecera um meio de proteger-se e
ensinara-lhe como usá-lo, a própria Medéia, empalideceu de temor. Jasão,
durante algum tempo, manteve os atacantes a distância, com a espada e o escudo,
mas, vendo que seu número era esmagador, recorreu ao encantamento que Medéia
lhe ensinara: pegou uma pedra e atirou-a no meio dos inimigos. Estes,
imediatamente, voltaram as armas uns contra os outros e, dentro em pouco, não
havia vivo um só da estirpe do dragão. Os gregos abraçaram seu herói, e Medéia
também o teria abraçado, se se atrevesse. Restava fazer adormecer o dragão que
guardava o velocino e isso foi conseguido lançando-se sobre ele algumas gotas
de um preparado que Medéia fornecera. Sentindo-lhe o cheiro, o dragão
acalmou-se, ficou imóvel, por um momento, depois fechou os grandes olhos redondos,
que, segundo se sabia, nunca fechara antes e, virando-se de lado, adormeceu.
Jasão apoderou-se do velocino e, acompanhado dos amigos e de Medéia,
apressou-se em dirigir-se ao barco, antes que o rei Etes impedisse a partida, e
voltou à Tessália, onde todos chegaram sãos e salvos, e Jasão entregou o
velocino a Pélias e consagrou "Argo" a Netuno. Não sabemos o que foi
feito posteriormente do Velocino de Ouro, mas talvez se tenha verificado, à
semelhança de muitos outros tesouros, que ele não valera o trabalho da
conquista.
O episódio é uma dessas
histórias mitológicas, observa um escritor, em que há razão para acreditar na
existência de um substrato de verdade, embora perdida entre muita ficção.
Trata-se, provavelmente, da primeira expedição marítima importante e, como se
dá com as tentativas dessa espécie em qualquer nação, ao que a história nos
ensina, deve ter tido, de certo modo, um caráter de pirataria. Se foram colhidos
ricos despojos, tal fato seria suficiente para fazer surgir a idéia do velocino
de ouro. Pope, em sua "Ode ao Dia de Sta Cecília", assim celebra o
lançamento ao mar do navio "Argo" e o poder da música de Orfeu, a
quem chama o Trácio:
Quando a primeira nau,
ousadamente;
Desafiou o mar, em sua popa;
O Trácio as cordas dedilha da
lira;
Enquanto Argos contemplava as
árvores;
Até há pouco suas companheiras;
Descer do Pélion para à praia
virem;
Os semideuses em silêncio
ouviram;
E os homens em heróis se
transformaram.
No poema de Dyer, "O
Velocino", há uma descrição do "Argo" e sua tripulação, que dá
uma boa idéia dessa aventura marítima primitiva:
Reúnem-se os heróis vindos de
todo;
O litoral do Egeu: Castor e
Polux;
Os ilustres irmãos, e Orfeu, o
bardo;
De lira pura e maviosa, e
Zetas;
E Calais, tão velozes quanto o
vento;
Hércules e outros chefes renomados;
Na branca praia de Iodes eles
se apinham;
Com as claras armaduras
reluzindo;
A corda de loureiro e a enorme
pedra;
Ao convés são alçadas, zarpa a
nave;
Cuja quilha perfeita mão de
Argos;
Para a ousada aventura
construída.
Hércules deixou a expedição em Mísia, porque
Hilas, um jovem amado por ele, tendo desembarcado para buscar água, ficou
detido pelas ninfas da fonte, fascinadas por sua beleza, Hércules entrou numa
discussão, por causa do jovem, e, durante sua ausência, o "Argo" se
fez ao mar, deixando-o. Em uma de suas canções, Moore faz uma bela alusão a
esse incidente:
Quando Hilas foi encher o seu
cântaro à fonte;
Ia alegre, jovial, ao caminhar
sozinho;
E o cântaro, a vagar pelos
prados e montes;
Largou, para colher as flores
do caminho.
***
Desdenhei de beber, em minha
juventude;
Na fonte do saber da sã
filosofia;
Com as flores me ocupei tão
só, enquanto pude;
E a urna que levei deixei
ficar vazia.
Texto: O Livro de Ouro da Mitologia
Nenhum comentário:
Postar um comentário