24/01/2012 às 15h01
Sangue e areia
Sangue e areia
'A violência
nos interessa porque somos violentos', constata Eric Bentley em 'The Life of
the Drama'. O que o leva a indagar se, em vez de ensinar aos aspirantes a
dramaturgo as costumeiras regras dramáticas, não seria mais útil ensiná-los
apenas duas, inerentes à natureza humana: 'se você quiser despertar a atenção
do público, seja violento; se quiser mantê-la, seja violento de novo.'
Não sei se
Steven S. DeKnight, criador da série 'Spartacus: Blood and Sand', leu 'The Life
of the Drama', mas ele e seus roteiristas certamente seguiram os princípios
postulados por Bentley. 'Spartacus' é a série de televisão mais violenta já
produzida. À primeira vista, parece não ser mais que um embuste destinado ao
público do MMA, colorindo as intrigas de 'Roma' com os cacoetes visuais de
'300'. Essa impressão pode até permanecer por alguns episódios, mas se lá pelo
sétimo você ainda não estiver convencido de que 'Spartacus' é melhor que a
série da HBO e que o filme de Zazk Snyder juntos, espere pelo oitavo, que
revela a simetria na estrutura da trama. Se mesmo assim você não mudar de
ideia, vá ver 'Glee', paciência.
'Roma' é uma
boa série, mas em diversos momentos tenta disfarçar sua natureza pulp aspirando
a uma grandeza que não está ao seu alcance e ampliando demais o foco narrativo.
'Spartacus' se mantém firmemente arraigado aos elementos mais básicos do drama
e concentra a ação em três espaços: o palacete de Batiatus, o negociante que
compra escravos para transformá-los em gladiadores, interpretado com garra por
John Hannah; a escola de gladiadores, que ocupa o porão e o quintal do
palacete; e a arena de Cápua, onde os gladiadores se enfrentam.
As personagens
que habitam ou frequentam esse microcosmo cuidadosamente delineado se
relacionam por linhas simples de ação, movidas por paixões claramente
articuladas pelos roteiristas. Só quem muda, e muda para continuar sendo o
mesmo, é o protagonista, Spartacus. Todos os que o cercam perseguem seus
objetivos com a obstinação de personagens da commedia dell’arte. E nisso reside
a energia dramática da série.
Se o visual
vem, sobretudo, de '300', os responsáveis pelos efeitos especiais de
'Spartacus' rapidamente se apropriaram dos recursos do filme de Snyder e
criaram um mundo delirantemente artificial, no qual a violência explícita não é
ressaltada, e sim atenuada pelo grafismo quase abstrato dos 'freeze frames', da
câmera lenta, das sobreposições e do sangue que esguicha na tela. Pela primeira
vez, até mesmo o 'bullet time' mostra sua razão de existir.
Tanto o minimalismo dos
cenários quanto os efeitos gerados por computador tem uma justificativa
econômica: fazer a série parecer mais cara do que é. Mas quantas vezes são
justamente restrições desse tipo que obrigam os criadores a exercitar sua
imaginação? O último episódio da primeira temporada é um dos mais empolgantes e
satisfatórios que já vi na televisão. 'Spartacus' é um triunfo da imaginação
pulp, a TV em estado de glória, sem nunca tirar o pé da areia ensanguentada.
Ronaldo Passarinho é documentarista, jornalista e
tradutor. Assinou, por dez anos, a coluna ZOOM do jornal O Liberal, foi redator
da revista Cinética e do Jornal do Brasil. Seus dois primeiros livros como
tradutor devem ser lançados ainda este ano. Seu novo blog, Contos
da Escuridão ,
traz traduções inéditas para obras-primas do horror e do sobrenatural
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